quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Chrysti – Capítulo 8

capit 8


Cada menina tinha o seu ponto, nenhuma podia ultrapassar a linha da outra. Com chuva ou frio, estávamos lá. Umas porque tinham que pagar a faculdade, outras porque tinham filhos para criar, outras para sustentar o vício, eu… nem sabia porque estava lá.
Quantas vezes vi meninas que acabavam de fazer o programa, ligar para a mãe para pedir consolo e ouvir a voz de alguém que a amasse realmente. Não era fácil, nem sempre pegávamos homens que fazia o tinha de fazer e ia embora, muitas vezes tínhamos que ouvir besteiras, palavrões, até apanhávamos. Outros eram estranhos, feios, fedidos, sujos, horrorosos, parece que queriam devorar a gente só com o olhar, nessas horas eu me lembrava do monstro.
Uma vez uma das meninas apanhou tanto do rapaz que ficou com o olho inchado e não conseguia ver nada. Outra teve o seu braço direito quebrado. Parece que eles jogam toda a raiva e vontade de matar em cima das meninas. Outra ficou grávida e na hora de fazer o aborto morreu na cirurgia, ela teve hemorragia. São tantos os casos que acontecem com mulheres que não são maduras nessa profissão, porque eu me acho bem madura, sou dona de mim e sei o que faço.
Na verdade era até bom que elas saíssem do caminho, assim eu teria a clientela delas.
Uma delas saía sempre com mulheres, já tinha as pessoas fixas, mas coitadinha foi presa por porte ilegal de armas, teve uma pena de sete anos de condenação. Coitada dela mesmo, porque fiquei com toda parte que lhe cabia.
Comecei a sair com mulheres também, eram mais calmas que os homens e pagavam bem. Não era qualquer uma que eu atendia no meu ponto, eram mulheres ricas, cheias de ouro, bem casadas, e eu nem ligava.
Eu queria o dinheiro para  gastar com meus desejos, o problema é que eu ganhava muito dinheiro, mas vivia endividada, eu nunca entendi isso, trabalhava tanto e não tinha nada.
Eu fazia tudo o que me era pedido, eu era tudo e ao mesmo tempo não era nada. Eu que oferecia tudo para eles, e para elas, mas não tinha como receber nada em troca, a não ser o dinheiro, que muitas vezes eu pensava ser um dinheiro sujo, mas ganhei sem roubar, então era meu.
Eles falavam coisas que às vezes até eu ficava envergonhada, são momentos que a gente se sente como lixo, como um nada, sem nenhum valor, parece que toda sujeira está no nosso corpo. Eu não acredito que nenhuma mulher faça isso porque quer, mais sim porque não consegue sair dessa vida. Quem não quer ter uma família, onde é amada pelos seus.
Quantas vezes temos que tomar calmante para dormir, tamanha a dor na alma.
Conheci uma menina que estava grávida de sete meses e fazia programas, já era mãe de três crianças, uma delas foi dada para a vizinha cuidar, ela nem quis ver a menina, do hospital mesmo já deu a criança embora. Algumas lá, já estavam no ponto há cinco anos, e tinha uma clientela boa, mas também estavam na mesma situação que eu, às vezes não tinha dinheiro nem para voltar para casa.
A gente procurava se cuidar se prevenir, mais isso não impedia de muitas meninas morrerem com doenças. Morriam uma, duas, três em um mesmo mês. Mas a gente não consegue largar.
Muitas mesmo grávidas usam drogas para conseguir fazer os programas, senão o corpo não agüenta, a mente não suporte. Quem em sã consciência consegue sair com muitos homens e mulheres numa mesma noite se não estiver drogada.
A família muitas vezes não tem noção que essas meninas se prostituem, e nem elas tem coragem de falar, porque a decepção para os pais e parentes seria a morte para elas, já são desprezadas na rua, não iriam suportar ser desprezadas pela mãe.
Quantas vezes passamos por apuros, eles nos pegam no ponto e nos deixam em matas, eles voltam para seus carros e retornam para a cidade e a gente fica largada no meio do nada. Temos que andar e andar até chegar ao ponto novamente, nesse momento a gente se sente como lixo, como um pedaço de carne que não vale nada, que não tem nada, e o desejo de morte é grande, a gente se sente suja e sem esperança de vida. É quando a menina liga para mãe ou para um parente que ela sabe que a ama de verdade. Eu… não ligo para ninguém, não tenho ninguém.
Quem pode ajudar? O preconceito é muito grande, ninguém olha pra gente com olhar de misericórdia, o olhar das pessoas é de ódio e de desprezo, quem vai dar um emprego para uma de nós? Quem vai pagar o que ganhamos na rua? Muitas vezes ganhamos rios de dinheiro, ouro, outras vezes ganhamos tapas, xingos, puxões de cabelo, pontapés…
Acho que isso não é vida pra ninguém, o desejo de morrer é constante, a busca por alguém que nos dê valor é imenso, mas quem dá valor a uma mulher assim, e na maioria das vezes viciada, porque sem se drogar não consegue atingir a meta. Às vezes chega até vinte programas numa mesma noite. A gente não escolhe com quem vai sair, eles é quem escolhem a gente. Somos humilhadas ao extremo.
Existem meninas que passam até três dias sem dormir, a base de drogas, fazendo programas, elas nem sabem com quem ou com o quê estão saindo, mas saem.
Por mais que eu me limpasse, ainda assim me sentia suja. O sofrimento é absurdo. Não existe uma luz, não existe um fim do túnel, a nossa única certeza é a morte e o desejo por ela. Mas muitas não têm coragem de se matar, nem pra isso a gente serve.


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