Aquele ano eu reprovei, não conseguia entender nada o que a professora falava, parecia grego.
É claro que recebi um castigo de minha mãe, ela não deixou eu passar o final de ano na casa de meus avós, que também moravam no campo, porém em outra cidade, enfim, fiquei no sítio, brincando com os patos e galinhas e fazendo bonecas com espigas de milho. Era engraçado, eu fazia tranças no cabelo do milho e dizia que era cabeleireira.
O ano seguinte começou e uma nova turma no colégio. Minha mãe adoeceu, foi descoberto um câncer no seu intestino e por conta disso ficou muito debilitada. Meu pai trabalhava muito e não podia me buscar no colégio. Ele me disse que para minha segurança iria pedir a um amigo para me buscar todos os dias na porta da escola. Meu coração estremeceu. Quem seria esse amigo? Meu Deus o pesadelo voltou!!! Meu pai pediu para o monstro ir me buscar todos os dias. O que eu faço? Não posso contar para ele porque está trabalhando muito e minha mãe, está doente, não posso trazer mais preocupações para eles!! Meu Deus me ajuda, eu não sei o que fazer.
Naquele dia eu não conseguia sair da sala de aula, meu corpo tremia de novo, meus dentes estavam cerrados, tive até náuseas. A professora me chamou e disse:
- Crysti, minha querida, seu amiguinho veio te buscar, ele está lá no saguão te esperando.
Meu coração estremeceu, eu não quero ir, alguém faça alguma pelo amor de Deus!!!
Mais quem? Ninguém sabe dessa história, eu não posso falar.
- Vamos Crysti, o sinal já bateu faz dez minutos, só tem você nessa sala a outra turma já está chegando.
Eu fiquei enrolando com meu material escolar, disse que havia perdido minha caneta, mas nada disso adiantou eu tive que sair da sala e ir ao encontro do monstro.
Minha vontade era de pular no pescoço dele e bater tanto até sangrar do mesmo modo que ele me fez sangrar, por dentro e por fora.
Ele me olhou, e seus olhos brilhavam como se estivesse vendo algo que desejasse muito, como um premio que tinha ganhado, veio até mim e pegou em minha mão. A professora me entregou para ele.
-Vou cuidar dela dona Clara, vou levar pra casa direitinho. Falou o monstro sorrindo para minha professora.
- Eu não quero ir com você, monstro, não quero!!!
-Cala a boca agora e entra no carro, senão já sabe o que acontece com a sua mãe.
- Ela está doente, não toca em minha mãe!!!!
- Então faz tudo o que eu mandar!!!!!
O olhar dele parecia do demônio, ele suava muito e o cheiro era horrível, continuava com aquela barba grande e suja. Eu senti o cheiro daquela casa fedorenta de novo.
Ele não me levou para casa, foi para uma mata, não tinha ninguém por perto…
Decidi contar para minha mãe, eu não iria aceitar isso na minha vida. Quando cheguei em casa, minha mãezinha não estava, meu pai a levou para o hospital, ela passou mau. Corri para lá, era perto de casa. Encontrei meu pai falando com o médico:
- Doutor quando cheguei em casa Alicia estava tremendo muito parecia até uma convulsão, a febre estava muito alta e ela gritava de dores.
Como eu iria falar para minha mãe sobre o monstro estando ela nesse estado? Nem poderia falar para meu pai, a cabeça dele entraria em parafuso.
Fiquei calada e fui para o quarto do hospital cuidar da minha mãe. Ela estava magra, os olhos fundos, dava para ver os ossos de seu rosto. Ela pediu para tomar um banho, eu quis ajudar.
A enfermeira a colocou na cadeira de rodas e me deixou banhá-la. Minha mãe não conseguia ficar em pé. O braço dela estava tão fino, seu quadril, suas costas, eu podia contar os ossos. A pele parecia verde, já não tinha mais aqueles cabelos longos e cacheados como os meus, estavam muito ralos. Seus dentes pareciam maiores, seus lábios sumiram. O cheiro da minha mãe havia acabo, agora cheirava câncer. Ela mal conseguia falar.
Peguei um pano com sabonete e passei sobre a pele dela. Era sabonete de alfazema, minha mãe me olhou. Seu olhar continuava de mãe. Ela me perguntou:
- Meu amor, está tudo bem contigo?
Eu queria tanto gritar para ela tudo o que estava acontecendo, mais como faria isso? Ela é quem precisa de mim, eu não posso falar nada, ela não tem condições de me ajudar agora, eu é quem tenho que ajudá-la. Dentro de mim gritava:
-Socorro mãe, eu preciso da senhora!!!!!!
Não podia ser egoísta a esse ponto e continuei a cuidar dela.
Era hora do almoço, minha mãe tinha fome, mas o câncer havia tomado todo o seu corpo, estava difícil de alimentar, sua língua estava com feridas, sua garganta completamente em carne viva. Fiz uma sopinha com leite e bolacha e com ajuda de uma colher pequena fui colocando em sua boca. Eu sentia junto com ela as dores, seu gemido cravava dentro de mim como uma foice…
Ai que dor… Dor na alma, dor no coração, não podia fazer nada, minha mãe estava morrendo. Nessas horas eu me esquecia do monstro… A dor da minha mãe era muito maior, imensamente maior…
Ela tomou morfina, as dores aliviaram e fomos para casa. Passaram-se cinco meses, minha mãe voltou sete vezes para o hospital e tudo se repetia dia a dia, até que numa noite eu acordei assustada, tive pesadelos com o monstro, fui até o quarto dos meus pais e ela estava muito suada. Peguei uma toalhinha molhada e enxuguei o seu rosto. Meu pai acordou e me ajudou a levantá-la.
- Eu amo muito vocês. Disse minha querida mãe. Ela morreu nessa noite nos braços de meu pai. Meu mundo desmoronou…
Méuri Luiza
http://www.cristianecardoso.com/pt/?portfolio-item=chrysti-capitulo-2
Um comentário:
Que sofrimento meu Deus
Postar um comentário