Chrysti – Capítulo 10

Uma semana a base de remédios, a dependência da droga me fazia debater o tempo todo, então tiveram que me amarrar.
Emagreci mais ainda, 1,70 pesando 39 kilos, pele e osso. Acordei, não sabia onde estava. Olhei para os lados, as paredes brancas, cheiro de éter, aparelhos ao meu redor, não conseguia enxergar bem, estava muito fraca, mal abria os olhos. Havia alguém ao meu lado, com perfume de alfazema, mão pequena, pele clara, segurando meu rosto com uma das mãos e com a outra trazendo para minha boca uma colher com sopinha de leite e bolacha. Era a “coisa”.
Ai, ai, o que eu faço agora? Não consigo gritar para ela sair daqui, não tenho forças nem para abrir os olhos direito, não consigo nem pensar…
Chegou à noite e o médico veio me avaliar, disse que eu estava indo bem, e em poucas semanas sairia do hospital.
Semanas? Como assim? Quero ir embora agora!!! Eu mando na minha vida…
Um coração duro, difícil de penetrar, sabe que estão pedindo a tua alma, mas não dá uma chance para ser feliz e muito menos para se salvar.
A “coisa” ficava lá, o tempo todo junto comigo. Será que ela não tem casa para ir não?
Amanheceu e eu despertei, ainda muito fraca, queria o crack, estava irritada, dependia de todos pra tudo.Senti alguém mexendo nos meus cabelos, ou o que sobraram deles, era a “coisa” que estava me penteando. Eu queria que ela saísse dali, mas não conseguia falar nem me mexer.
- A senhora é tão linda e eu sinto tanto a sua falta. Nessa noite pedi a Deus para tirar você daqui com saúde. Naquele dia do tiroteio pedi para Ele cuidar de você e Ele cuidou, muitos morreram, mas não a minha mãe. Minha professora Clara, disse que tudo o que pedir a Deus e crer Ele fará.
Será isso verdade mesmo? Será que posso mudar de vida? Seria muito bom para ser verdade. Ah se eu tivesse falado com minha mãe… se não tivesse experimentado o álcool, se não tivesse entrado na prostituição, se não tivesse conhecido o crack,…
São tantos se não tivesse… eu acreditava que era forte, que tinha controle sob minha vida… que nada, é só olhar para mim agora e ver meu estado, numa cama de hospital, sem forças, sendo cuidada por alguém que nem tem tamanho…
Ela é tão pequena e sabe tanto, até consigo olhar para seu rosto nesse momento sem ter vontade de matá-la ou de desprezá-la. Deve ser porque é a única que está comigo nesse momento…
Minha tia me visitava e trazia frutas, mas eu não me lembro pois sempre estava sob efeito de calmantes.
Os dias foram passando e fui me recuperando, dia após dia, um atrás do outro, com remédios e uma luta constante por abstinência a droga.
Desejo ardentemente mudar de vida, mas meu corpo treme, minha mente às vezes trava, tenho dores de cabeça.
Chegou o dia de ir para casa, ou o que era a minha casa, porque fiquei tanto tempo nas ruas que meu lar se tornou os becos, os lixos, as calçadas, a praia… Onde havia usuário de drogas, ali eu estava, não importava o local, mas importava onde tinha um ponto de venda. Eu fazia os programas e com aquele dinheiro na mesma hora gastava tudo em crack…
Cheguei ao ponto de não escovar meus dentes, perdi quatro deles…
Meu cabelo era embaraçado, metade preto, metade loiro, os cachos não existiam mais, eram quebrados e sem nenhuma vida.Minha pele estava amarelada, meus pés rachados, minhas unhas escuras e podres.
Eu me sentia o lixo, o nada, queria morrer, queria minha mãe…
Ao entrar naquela casa, voltei a minha infância, no dia em que entrei pela primeira vez naquele quarto preparado para mim, das vezes que fazia leite morno para tomar ou até do meu macarrão sem molho, (risos) até o macarrão sem molho era bom.
Minha tia veio me encontrar, já não estava mais embriagada, seu olhar era outro, não tinha cheiro de uísque, cheirava perfume. A casa estava limpa e um cheirinho de sopa vinha da cozinha. Ela segurou minha mão e me disse:
- Minha querida, seu quarto te espera.
Achei tudo tão estranho. Como pode alguém mudar de uma hora para outra. Ela sempre foi alcoólatra, não limpava a casa nem comida fazia, agora está me chamando de querida e fazendo sopa? Será que ela ficou louca?
A menina preparou-me um banho, com sais de alfazema. Eu amo o perfume de alfazema. Minha roupa estava em cima da cama, roupa limpa e cheirosa.
Limparam as minhas unhas, cortaram e pentearam meus cabelos. Sentei-me à mesa para tomar a sopa.
Tudo estava diferente, eu não entendia nada. Naquela casa havia paz. Havia um perfume de amor no ar…eu não entendia. Minha cabeça doía, meu corpo ainda estava fraco. Nenhuma palavra saía da minha boca, tinha medo de falar, tinha medo muito medo
A menina dormiu do meu lado. Eu olhava para ela e via uma menina e não mais como uma “coisa”, ela era tão carinhosa comigo, mas eu mesma não entendia o porquê meu ódio por ela ainda existia . Mesmo assim não dirigi nenhuma palavra a ela.
Noite difícil, sentia falta da droga. A abstinência faz nosso corpo entrar em transe, parece que não vai ter fim. Eu queria muito sair dessa vida, mas sozinha seria impossível.
Vontade de chorar, não conseguia dormir, meu corpo tremia muito. Algo me dizia para me matar, dizia que eu não iria conseguir, pra mim não tinha jeito…
Quero ajuda, preciso de ajuda, vontade de gritar, muito choro. Me levantei e fui para o banheiro, horas lá dentro chorando muito.
A menina se levantou e ficou ao meu lado, me deu um abraço. Fiquei parada sem saber o que fazer, entrei em pânico.
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